Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH)
No passado, uma criança agitada, inquieta, desatenta, com dificuldades de relacionamento com os colegas, pais e professores, era comumente rotulada como “rebelde”, “desinteressada” e era alvo de críticas e punições por parte dos familiares e cuidadores. Com o passar do tempo, as informações sobre desenvolvimento infantil foram se tornando mais conhecidas, fazendo com que as famílias entendessem que esse tipo de comportamento pode sinalizar um transtorno do neurodesenvolvimento. E um dos mais comuns é o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, também conhecido popularmente aqui no Brasil como TDAH.
Segundo a Associação Brasileira de Déficit de Atenção (ABDA), ocorre em 3% a 5% das crianças, em diferentes regiões do mundo. O TDAH é um transtorno neurobiológico, de causas genéticas, que aparece na infância e, frequentemente, acompanha o indivíduo por toda a vida.
Apesar de gerar dúvidas e preocupações em pais e cuidadores, o TDAH tem tratamento, que pode reduzir e amenizar os sintomas, aumentando substancialmente a qualidade de vida e funcionabilidade da criança e do futuro adulto.
Como saber se a criança tem TDAH?
Por falta de parâmetro ou conhecimento sobre o assunto, muitos pais e cuidadores ainda são taxativos ao considerar que crianças mais desatentas e agitadas têm TDAH. Porém, é fundamental saber que, antes de qualquer suspeita, o comportamento infantil é muito individual, sempre levando em consideração o entendimento do que é fisiológico ou não. Ou seja, a régua não pode ser o adulto, mas, sim, crianças da mesma idade! É preciso comparar o comportamento da criança com o que é esperado para aquela idade.
Outro fator essencial para identificar se a criança se enquadra no TDAH é verificar em quais ambientes os sintomas se manifestam. O comportamento tem que repetir em, pelo menos, dois ambientes diferentes. Se a criança muda de acordo com o cuidador, isso pode apontar para outras questões comportamentais e familiares, que não necessariamente o TDAH. A criança com TDAH tem o transtorno em casa, na escola, no esporte, no parquinho…
Além disso, também é importante ressaltar que o comportamento da criança e os sintomas do TDAH precisam estar presentes há, pelo menos, seis meses, se repetindo nos mais diferentes ambientes que ela frequenta.
Pilares para identificação
Em resumo, para ajudar a identificar se o comportamento da criança aponta para um diagnóstico de TDAH, é importante se basear em quatro pilares:
- Saber o que é esperado para cada idade e, a partir daí, entender o que pode estar destoando;
- Ter conhecimento de como a criança se comporta em ambientes diferentes, em dias diferentes e com cuidadores diferentes;
- Analisar se comportamento da criança é mantido há, no mínimo, seis meses. E se os sintomas estão presentes desde antes dos 12 anos de idade;
- Os sintomas têm que causar prejuízo na vida da criança e das pessoas que convivem com ela, ou seja, o grau de agitação da criança tem que, necessariamente, atrapalhar sua vida acadêmica, suas atividades de vida diária, sua socialização.
Quais os principais comportamentos observados na criança?
Depende muito da idade. Nos primeiros anos de vida (pré-escolar), não é esperado que uma criança fique muito tempo sentada na mesma atividade. Nessa fase, o que chama mais atenção, em um possível caso de TDAH, é a agitação motora e o comportamento. Podemos observar dificuldade em se manter nas contações de história, atividades em roda, lembrar os combinados e regras. Pode, ainda, parecer que não está ouvindo e não consegue seguir as orientações, está sempre se movimentando e falando, tem dificuldade em ficar parado ou esperar a sua vez.
Na fase escolar, de alfabetização, em que é esperado que a criança se sente para escrever, ler, fica mais evidente, em uma criança com TDAH, a dificuldade de se manter concentrada. As brincadeiras também mudam, o que é mais um fator que pode evidenciar o transtorno, já que, nessa situação, a criança tende a não querer fazer atividades sentadas ou paradas, vai querer mexer mais o corpo, o que pode trazer prejuízos para a socialização e o aprendizado. Por isso, nessa fase, o diagnóstico pode ficar mais evidente.
Em uma criança de 10 anos, por exemplo, os sintomas podem se manifestar mais pelo fluxo de pensamento rápido, muita mudança de assuntos, com falas ininterruptas, interrompe conversas de outras pessoas, não espera o fim da pergunta e já responde, ou seja, um comportamento mais acelerado. Essas características podem representar sintomas do TDAH:
– Desatenção – o quanto essa criança mantém a atenção? Ela é capaz de sustentar menos atenção do que o esperado para a idade? Comete erros por descuido? Completa as atividades que começou?
– Hiperatividade – pode ser manifestada pela agitação motora, fala e pensamento acelerado, além de impulsividade. Nesse caso, as atitudes da criança podem ser interpretadas como inadequadas ou má-criação, mas, na verdade, ela fez por impulso. Faz e logo em seguida se arrepende, sem a intenção de atrapalhar ou ofender outras pessoas.
Pode haver, ainda, o Hiperfoco que consiste na concentração máxima e duradoura em uma atividade que a criança tem grande interesse. As crianças com TDAH são capazes de ficar muito concentradas em certas atividades e isso pode fazer parte do quadro, mas para muitos cuidadores pode ser um fator que os deixa confusos. Essa criança pode, por exemplo, passar horas tocando um instrumento e nem perceber o que acontece ao redor.
Vale destacar que, o tempo de atenção sustentada, ou seja, o tempo que se mantem concentrada na mesma proposta, pode variar com a idade.
Quando os pais podem suspeitar? Tem idade mínima?
A partir da idade pré-escolar (entre 4 e 5 anos), embora entre os 6 e 7 anos, na fase da alfabetização, os sintomas de TDAH podem ficar mais evidentes. Lembrando que, para ser TDAH, os sintomas têm que:
- Causar prejuízos na vida da criança;
- Perdurar por, no mínimo, seis meses;
- Repetir-se em, ao menos, dois ambientes diferentes.
Como é feito o diagnóstico?
Antes de tudo, é muito importante deixar claro que, em caso de dúvidas referentes ao comportamento da criança, a melhor dica é sempre buscar orientação profissional. Afinal, para um diagnóstico precoce e preciso do TDAH, é necessária uma série de avaliações: médica, escolar e multiprofissional.
Não é porque a criança tem algum dos sintomas que ela terá necessariamente o diagnóstico do transtorno confirmado. O diagnóstico é feito através de uma combinação de critérios clínicos do DSM-V. Afinal, mesmo que a criança não pontue para o diagnóstico de TDAH, o sintoma não deve ser invalidado, ele tem que ser tratado.
Como é feita a avaliação do TDAH?
O diagnóstico é clínico e engloba avaliação multiprofissional somada ao parecer da escola e à percepção dos cuidadores.
É preciso medicar as crianças com TDAH?
Diferentemente do que muitos pensam, o tratamento de TDAH não é obrigatoriamente medicamentoso. Por outro lado, caso esse tipo de abordagem seja necessário, não adianta só medicar se não tiver um suporte terapêutico funcional e individualizado.
Outra coisa: só medicar não vai gerar mais funcionalidade ao paciente. A medicação, inclusive, muitas vezes é temporária, paralelo a isso, deve-se ter uma escola inclusiva e uma equipe multiprofissional orientando a criança e seus cuidadores para que os prejuízos sejam reduzidos, haja melhor organização, suporte, segurança para que ela obtenha melhores resultados e qualidade de vida. Em resumo, usando como exemplo: para uma melhora tratamento da Hipertensão Arterial, junto com o uso de medicações, devemos manter hábitos alimentares saudáveis e a prática de atividade física. E em certos casos, mudanças na rotina podem trazer resultado sem a necessidade de uso de remédio ou seu uso pode ser realizado em doses menores.
É muito importante para o tratamento é que a criança não tenha suas características alteradas.
Uma criança que era brincalhona, alegre e falante não deve ficar apática. Ela deve continuar com os mesmos atributos, o que muda é que ela vai aprendendo a manejar suas dificuldades. O objetivo é a redução dos sintomas, melhora do funcionamento e qualidade de vida.
Também existe muito preconceito, por parte de pais e cuidadores, sobre o assunto. Isso porque, em um passado não muito distante, as medicações causavam efeitos colaterais que alteravam o comportamento da criança, deixando-a sonolenta, apática.
Mas temos que entender que o tratamento medicamentoso é individualizado, com base nos parâmetros de um profissional, e sempre deve começar com doses baixas. É importante também que a família saiba que a paciência é um fator de sucesso para o tratamento, assim como o manejo do ambiente, pois a medicação, quando indicada, leva tempo para atender à demanda específica de cada indivíduo.
Riscos e estados de alerta
Pais e cuidadores sempre vão precisar controlar muitos fatores ambientais em todas as fases do desenvolvimento da criança com TDAH e, assim, evitar acidentes. Por exemplo, será fundamental colocar telas de segurança nas janelas, desligar a TV durante os estudos, ficar atento a pisos molhados para evitar quedas, entre outras coisas.
Outra característica da criança com TDAH é a impulsividade: crianças com TDAH tendem a ter menor noção em relação ao perigo, o que pode gerar uma série de acidentes; elas podem cair mais vezes, ter mais colisões; a distração também gera um risco maior de atropelamento. E isso vai acompanhá-las ao longo da vida. Na fase adulta, estão mais suscetíveis a acidentes automobilísticos por não ver o semáforo porque estava ouvindo sua música preferida, entre outros exemplos.
Na escola também é preciso avaliar os comportamentos
Já no âmbito escolar, a criança com TDAH também precisa de atenção redobrada, já que o transtorno pode impactar sua performance. Isso porque ela tende a ter dificuldade para se concentrar e para controlar o raciocínio, já que se distrai facilmente. Logo, em caso de desconhecimento do TDAH, a criança, mesmo se esforçando muito, acaba acumulando reprovações, o que pode acarretar a separação do grupo de amigos, o que traz um impacto direto no distanciamento dos vínculos afetivos.
Uma criança que apresenta muitos sintomas do transtorno pode também ter comprometimento na hora de brincar, na interação com as outras crianças no condomínio, no clube, nas festas e em outras situações sociais de que participa.
E em caso de não tratamento, essa criança pode chegar à adolescência com a mesma dificuldade escolar, o que afeta diretamente a autoestima dela, já que, por mais que ela se esforce, não conseguirá ter o mesmo desempenho dos amigos que não têm a doença.
TDAH e os riscos para abuso de substâncias como álcool e drogas ilícitas
O TDAH pode ser, ainda, um fator de risco para o abuso de substâncias em geral (álcool e drogas), porque os portadores do transtorno podem ser agitados, ter dificuldade de relacionamento, baixa autoestima, dificuldade de lidar com as frustrações, e as consequências são reduzidas se o próprio paciente consegue ter estratégias para se regular e não gerar tantas cicatrizes.
Outro ponto muito importante é o fator familiar, já que, além de uma possível negação, muitos pais tendem a comparar o próprio comportamento na infância com o dos filhos. Se o pai ou a mãe teve sucesso em driblar as dificuldades ao longo da vida, isso não exclui o fato de ele ou ela ser portador do transtorno. Assim, não tem por que dificultar o caminho da criança. Então, a frase “eu também era assim e deu tudo certo” não funciona! Essa narrativa não é acolhedora, minimiza as frustrações da criança e não a fortalece diante dos desafios atuais.
Quais são os principais impactos e prejuízos na vida da criança com TDAH?
– Dificuldade de socialização.
– Baixa autoestima.
– Comprometimento acadêmico e social.
– Acidentes mais frequentes pela impulsividade, falta de noção de perigo ou desatenção.
– Dificuldade em desenvolver e manter relacionamentos interpessoais.
– Risco aumentado de abuso de substâncias químicas ou álcool durante o crescimento.
Atitudes essenciais para ajudar uma criança com TDAH
– Controle do ambiente – minimizar os fatores que podem atrapalhar a atividade que a criança está executando, como, por exemplo, desligar a TV ou eliminar qualquer outra fonte de distração enquanto a criança faz a tarefa.
– Ambiente familiar, escolar e social acolhedor e inclusivo – é muito importante ter uma relação próxima e transparente com os profissionais da escola, para que a percepção e o tratamento dos sintomas sejam realizados de maneira integrada.
– Suporte terapêutico – reforçar a importância de propiciar condições para que a criança desenvolva a capacidade de melhorar suas funções executivas (auto-controle, planejamento, organização).
– Olhar individualizado para a criança – entender qual é a principal questão do TDAH que a afeta naquele momento.
Diagnóstico não é destino, não carimba e não deve rotular a criança e o futuro adulto! Todos nós temos facilidades e dificuldades, com ou sem diagnóstico. Todos temos limitações, mesmo quem não tem TDAH. A criança diagnosticada e com suporte terapêutico pode ser o que ela sonhar, no tempo e com o esforço individual que ela vai aprender a administrar, no tempo dela.
Fonte: Dra. Flávia Lins CRM 175475.
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