A epilepsia afeta 2% da população brasileira. Saiba mais sobre a condição com a leitura deste texto

A epilepsia é um termo atribuído a um conjunto de doenças que provocam alterações transitórias no funcionamento do cérebro, se manifestando por meio da predisposição permanente de manifestar crises epilépticas. As crises epilépticas são descargas elétricas desorganizadas que podem causar alterações da consciência, sensoriais, autonômicas, motoras ou eventos psíquicos e que surgem em intervalos irregulares de tempo.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a doença atinge cerca de 3 milhões de pessoas apenas no Brasil e pode acometer indivíduos de todas as idades, mas é mais prevalente em crianças e idosos.

Embora alguns tipos de epilepsia não tenham cura, há muitas opções de tratamento disponíveis, inclusive cirúrgicas. Até 70% das pessoas com epilepsia podem controlar a doença com medicamentos anticrise (OMS). As demais, são refratárias às medicações anticrise convencionais e necessitarão de outras opções para o controle efetivo da doença.

Epilepsia: causas e sintomas

Apesar de existirem vários fatores que podem levar ao desenvolvimento da epilepsia, a causa da doença ainda é desconhecida em muitos casos. Desse modo, é importante esclarecer que a condição pode ter origem estrutural (lesões cerebrais), genética, infecciosa, metabólica ou imunológica.

Alguns fatores que podem originar a epilepsia:

  • Lesão cerebral pré-natal ou perinatal – por exemplo, falta de oxigênio ou trauma durante o parto, baixo peso ao nascer, entre outros;
  • Anomalias congênitas ou condições genéticas com malformações cerebrais associadas;
  • Traumatismos cranianos;
  • Acidente vascular cerebral (AVC) ou qualquer outra condição que restrinja a quantidade de oxigênio no cérebro;
  • Infecções como meningite, encefalite ou neurocisticercose (doença parasitária) e certas síndromes genéticas;
  • Tumor cerebral.

Vale ressaltar que alguns quadros de epilepsia são temporários e reversíveis e a doença pode ser controlada por meio de tratamento adequado, inclusive cirúrgico.

A epilepsia não é a única doença que causa crises epilépticas. É possível ter crises epilépticas em algumas situações de febre (dependendo da idade), por intoxicação por produtos químicos, falta de oxigênio no cérebro e reações adversas a medicamentos, por exemplo. Essas crises que acontecem em momentos de lesão aguda no cérebro, são chamadas de crises epilépticas provocadas e não são consideradas epilepsia. Assim, é importante deixar claro que crises epilépticas e epilepsia não são a mesma coisa.

As crises epilépticas podem se manifestar de diferentes maneiras

Existem tipos de crise epilética, variando de paciente para paciente a constância e a forma das crises. Atualmente, as crises epiléticas são classificadas em dois grandes grupos: focal e generalizada.

Crise Focal

 As crises focais se originam em um local específico do cérebro e ficam restritas à um hemisfério cerebral. Há dois tipos principais:

  • Focal perceptiva – nesse quadro não há perda da consciência; a criança ou adulto tem sensações anormais, como movimentos involuntários em certas partes do corpo; distorções na visão e audição; alterações no cheiro e sabor; mal-estar, medo etc.;
  • Focal disperceptiva – quando há perda da consciência; a criança fica entorpecida e confusa e apresenta comportamentos automáticos, como caminhar desnorteada; sentar-se e levantar-se; esfregar as mãos sem parar; murmurar etc.

Crise generalizada

As crises generalizadas afetam os dois hemisférios do cérebro e sempre promovem a perda de consciência.

Listamos, a seguir, os principais tipos de crise generalizada:

  • Crise de ausência  é como um desligamento, em que a criança perde o contato com o meio por alguns segundos; ela fica com o olhar fixo, aérea, e pode fazer movimentos sutis, como um piscar de olhos. Por ser de curtíssima duração, muitas vezes não é percebida facilmente pelos familiares e/ou professores;
  • Crise mioclônica  caracteriza-se por abalos musculares bruscos e irregulares nos membros;
  • Crise atônica – provoca perda de controle muscular, podendo levar a quedas repentinas;
  • Crise tônica  causa rigidez muscular e geralmente afeta os músculos dos braços, das pernas e das costas; também pode ocasionar quedas;
  • Crise clônica  causa abalos musculares rítmicos ou repetitivos; em geral, atinge áreas como o rosto, os braços e o pescoço;
  • Crise tônico-clônica  causa rigidez e abalos musculares pelo corpo e, em alguns casos, perda do controle da bexiga e da língua. É o tipo de crise mais conhecido. É também um dos tipos mais frequentes, junto com a crise de ausência.

A seguir, vamos ver como identificar a doença e como agir ao se deparar com uma criança em crise.

Como é feito o diagnóstico da epilepsia nas crianças?

Para caracterizar a presença de epilepsia, é indispensável que as crises ocorram com intervalo mínimo de 24 horas. Um episódio único não é indicativo da condição.

Por ser uma doença neurológica, o especialista de referência é o neurologista, preferencialmente um neuropediatra.

Há muitos tipos de síndromes epiléticas infantis e alguns fatores que devem ser considerados na hora de relatar o caso ao pediatra são a idade da criança, o sexo, o horário da primeira crise epiléptica, a presença de outras condições médicas, o tipo de crise epiléptica ou a descrição detalhada do que foi observado pelos pais, se ela tem dificuldade de aprendizagem, entre outros detalhes.

Além do histórico clínico do pequeno, contar com o relato de pessoas que presenciaram a crise é importante, bem como realizar exames laboratoriais e/ou de imagem, como tomografia de crânio, ressonância magnética do cérebro, eletroencefalograma (EEG).

EEG (eletroencefalograma) 

O eletroencefalograma, ou EEG, é um exame que avalia a atividade elétrica do cérebro. Ele é realizado para que o médico identifique alterações neurológicas no ritmo cerebral em pacientes de qualquer idade, desde recém-nascidos até adultos. Pode ser realizado em três etapas: com o paciente acordado, sonolento e dormindo para que seja aumentada a sensibilidade do método na detecção de diversas anormalidades.

É um exame indolor e é feito por meio de eletrodos colocados no couro cabeludo do paciente, que transmitem os impulsos elétricos cerebrais a um programa de computador. Essas informações serão interpretadas pelo neurologista e usadas para o diagnóstico.

Mesmo com o uso de uma leve sedação, algumas recomendações devem ser seguidas para que essa avaliação seja realizada com sucesso.

No dia marcado, a criança não poderá dormir até a hora do exame, especialmente durante o trajeto até à clínica, e deve ser alimentada poucos minutos antes do exame, o que trará sensação de relaxamento e sonolência. Outras orientações também podem ser feitas, dependendo de cada caso.

É indolor, não apresenta riscos e os resultados normalmente são liberados em até 24h.

Quais são os tratamentos e cuidados indicados?

O tratamento da epilepsia deve ser indicado por um neuropediatra depois da investigação do quadro e varia de acordo com o tipo de distúrbio que a criança apresenta.

Sabemos que mais de 60% das crianças com epilepsia têm as crises controladas com medicação, e somente quadros resistentes ao tratamento convencional serão abordados de forma diferente, com a ajuda de cirurgia, implante de um estimulador de nervo vago, dieta cetogênica e uso de canabidiol.

É fundamental fazer uma avaliação neurológica caso a criança apresente sinais de crise epiléptica. Afinal, negligenciar o tratamento médico pode trazer prejuízos à saúde neurológica da criança e a seu desenvolvimento.

O que fazer e não fazer com uma criança em crise epilética?

Talvez a indicação mais importante ao se deparar com uma criança caída no chão em meio a uma crise epilética é tirar das proximidades dela possíveis objetos que possam machucá-la.

 Damos abaixo outras dicas importantes:

  •  Proteja a cabecinha da criança;
  • Não impeça seus movimentos, não a segure, não lhe dê tapas, não jogue água ou qualquer outra substância;
  • Levante o queixo dela para facilitar a passagem de ar e vire-a de lado para que ela não aspire saliva ou vômito. A região da boca deve permanecer seca para facilitar a entrada de ar e evitar a aspiração de líquidos pelas vias aéreas. A epilepsia não é transmissível, portanto, não há problema em tocar a região oral, mas não coloque a mão dentro da boca da criança;
  • Afrouxe as roupas dela;
  • Não tente proteger a língua do pequeno nem insira nenhum objeto na boca durante a crise, já que pode causar mordidas e ferimentos potencialmente graves;
  • Em casos de crises que durem 5 minutos ou mais, chame a emergência.

A epilepsia e seus gatilhos

Nesse caso, “gatilhos” são ações que podem, à maneira de um gatilho, disparar um processo ou uma reação. Assim, vamos listar alguns motivos que podem gerar crise epilética em uma criança:

  • Dormir mal – a privação de sono pode, inclusive, aumentar a frequência e a intensidade das crises;
  • Flashs ou luzes piscantes – crianças fotossensíveis podem ter crises quando expostas a televisores, monitores de computador, videogames etc.;
  • Situações estressantes;
  • Não tomar a medicação indicada com regularidade.
  • Infecções

Uma das doenças neurológicas mais comuns do mundo

Embora seja uma condição relativamente comum – afeta quase 50 milhões de pessoas no mundo, a epilepsia tem maior prevalência nas faixas etárias extremas (bebês e idosos), mas pode ocorrer e se desenvolver em qualquer idade e a qualquer momento. A condição é mais predominante na infância, em crianças de até 5 anos nascidas em áreas rurais de países em desenvolvimento.

De modo geral, 70% a 80% dos sintomas desaparecem na adolescência, portanto, 20%-30% dos diagnósticos da doença podem ser considerados graves e permanecerem até o fim da vida.

Epilepsia: adquirida ou inata?

As causas da epilepsia são variadas, mas, algumas vezes são adquiridas e evitáveis. Algumas condições que podem causar epilepsia são doenças infectocontagiosas (neurocisticercose e meningite, por exemplo), traumas (como complicações no parto e acidentes automobilísticos) e acidente vascular cerebral. Defeitos congênitos ou malformações também podem originar a epilepsia infantil, assim como questões genéticas, que podem ser herdadas dos pais, ou as oriundas de mutações raras dos genes dos pequenos.

A qualidade de vida de quem sofre com epilepsia

A epilepsia é uma doença que tem grande impacto na qualidade de vida de crianças e adolescentes, sobretudo pelo estigma e a interferência que causa nas atividades do dia a dia. Assim, além de muito amor e dedicação, quem tem uma criança com epilepsia precisa administrar a medicação prescrita com exatidão, nas doses e nos horários certos, e marcar consultas periódicas com o especialista.

Ressaltamos que é responsabilidade de pais e cuidadores promover a autonomia da criança, a adesão ao tratamento e o bem-estar dela, portanto:

  • Encare a epilepsia de forma natural, já que a doença pode ser controlada com o tratamento indicado pelo especialista;
  • Não trate a criança com epilepsia de forma diferente das outras; ela deve ser tratada e incentivada como qualquer outra criança;
  • Informe parentes e amigos sobre a doença, para que eles estejam preparados para ajudar em casos de crise;
  • Providencie uma identificação de pessoa com epilepsia para a criança, com dados como diagnóstico, medicamentos de urgência e contatos do responsável;
  • Fique atento ao desenvolvimento escolar da criança. A epilepsia pode estar associada a transtornos psiquiátricos e comportamentais, que podem interferir no rendimento escolar;
  • Tenha a medicação sempre disponível; isso é fundamental para a segurança física e emocional da criança;
  • Cuide para que os gatilhos das crises sejam evitados.

Educar para a inclusão

Nas crises epiléticas, a criança pode cair no chão, ter abalos musculares, morder a língua, salivar muito e até urinar, quadro que, por falta de informação e por preconceito, potencializa situações de bullying, que podem prejudicar o processo de aprendizagem da criança e gerar estresse, ansiedade e isolamento.

A escola é o local ideal para disseminar conhecimento por meio do diálogo e da troca de informações corretas sobre a doença, combatendo definitivamente o preconceito, o bullying e a exclusão. Para tanto, é recomendado que as escolas ouçam o aluno e seus responsáveis, para que possam adotar propostas didáticas e estratégias pedagógicas que possibilitem melhor adaptação e desenvolvimento escolar do estudante.

Tornando a Educação Inclusiva: Promovendo a Participação e Valorização dos Portadores de Epilepsia

É urgente que todas as instituições que tenham o compromisso de educar promovam rodas de conversa, oficinas, projetos educativos, seminários e outras atividades para alunos, pais, educadores, professores, funcionários e comunidade, com o intuito de incluir os portadores de epilepsia no seio do corpo social e proporcionar a eles e à comunidade escolar mais que educação formal, mas lições de cidadania e ética, com valorização da autoestima e proteção da saúde física e emocional. Pois diante de uma doença carregada de estigma que acompanha a humanidade desde a Antiguidade, para os portadores da condição, a empatia é tão importante quanto o tratamento para que eles se sintam amparados e respeitados em suas singularidades, com autoestima reforçada e elevado nível de satisfação pessoal.

Dra. Paula Girotto
Neuropediatra e Neurofisiologista
CRM-SP 146415

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